O Problema Real da Pirataria Abordando o elefante na sala

Josué Fraga Costa
(Redator)
Anime United
©Anime United

No dia 18 de abril, noticiamos aqui na Anime United sobre uma operação da Polícia Civil e o Ministério da Justiça, intitulada “Operação 404”. A operação visou desarticular a distribuição ilegal de conteúdo por meio de sites, sendo um deles o SlimeRead, por eles sendo compartilhados mangás e webtoons. A SlimeRead tendo afirmado que não lucrou nada, tendo sido um projeto feito de fãs para fãs.

Não entrarei na discussão da operação policial e judiciária, e tão pouco nos processos ingressos e por razões óbvias, e nem preciso de fato, já que a discussão aqui tocará no elefante na sala, a falta de concorrência no mercado brasileiro. Todos estão carecas de saber o que se configura como pirataria, e creio que não precisarei dar a letra sobre isto, mas se tem um problema que a grande mídia nunca discute propriamente é a falta ou problema de acesso que temos no Brasil a praticamente tudo.

Dou exemplo de onde moro, onde por algumas vezes eu tive de sair do bairro para comprar pão numa padaria, ou compras no geral em supermercados, pois quando tinha um, era em prédio alugado, e não permanecia por muito tempo.

Police in a Pod
©Police in a Pod

Isso eu vivendo numa capital de estado, onde por tabela, as coisas deveriam estar mais acessíveis para todos que moram nela, tanto pela quantidade, quanto pela variedade de produtos e serviços, mas não é o que ocorre no Brasil.

E se tratando de países enormes, eu sei bem como a logística pode ser problemática, nesses dias eu estava vendo um vídeo no YouTube sobre uma cidade americana localizada no estado de Montana chamada Glasgow, onde qualquer coisa estava a horas de distância, como tratamentos médicos mais detalhados, até mesmo ao aeroporto nacional mais próximo.

E ainda sim, por mais que a cidade seja uma das menores nos EUA, e onde o Wallmart mais próximo está pelo menos a 236 km de distância, as pessoas precisam de acesso ao básico para viver, com conexão à internet e serviços públicos. Veja se a pirataria é um fenômeno para que as pessoas de lá tenham vida, e entenderão o problema real da pirataria.

Frieren e a Jornada para o Além
©Frieren e a Jornada para o Além

A pirataria só existe por conta de problemas na estrutura econômica e logística, que ou dificulta, ou proíbe o acesso das pessoas por um produto ou serviço indisponível por lá. Você não verá feiras nos EUA vendendo games gravados de qualquer forma em DVD’s, e por um preço muito mais baixo, por que a distribuição é ampla e o preço condiz com a realidade do consumidor.

Não estou justificando, mas apontando o principal problema do Brasil com relação a este problema que de fato afeta o financeiro local, mas que pode ser extinto de maneira simples, atender a demanda do mercado com livre concorrência e ampla oferta, pois demanda, ainda mais num país de 212 milhões de pessoas, tem em abundância.

No Japão, não se vê problemas em relação a distribuição de mangás, novels, light novels, já que eventos como a Comiket ocorrem por lá aos tantos, e não somente na capital Tóquio, e sim por todo o país, quando autores divulgam seus trabalhos ao público, e cobrindo a vários gêneros autorais de uma só vez. Ali começa a jornada de sucesso de um mangaká, pois há prospecções de mercado feitas pelas grandes editoras para a posterior publicação destas obras, e consequentemente, até animes surgem dali.

Comiket
©Comiket

E digitalmente então, o Japão dispõe de inúmeras plataformas para a publicação das mais variadas obras de diversos artistas, onde artistas começam a ter reconhecimento do grande público e da mídia como um todo, consequentemente levando o artista para palcos ainda maiores junto de sua obra, e isso não é algo novo.

As light novels, por exemplo, são de nicho hoje em dia, mas eram a forma de se ver a capacidade de escrita dos autores e seu desenvolvimento de enredo e personagens, e hoje em dia, ainda encontram seu espaço em vários sites por lá. As webnovels nasceram na internet, como o nome dá a entender, e obras como Mob Psycho nasceram neste meio, mangás e esboços também estão inseridos no meio digital.

Não é de se estranhar que o Japão se tornou referência para artistas dos mais diversos meios, visto que vários desenhistas, roteiristas e produtores, são formados todos os anos, que começam debaixo e vão progredindo junto de seu público. Manga Plus by Shueisha, Comic Walker, Shonen Jump, Book Walker, Comixology, Kodansha, Azuki, Webtoon, MangaPark e MangaToon, são algumas dessas plataformas que mostram os artistas para os fãs, e se formos colocar os sites que existem para a publicação de esboços e desenhos, a lista ficaria imensa.

Mob Psycho 100 III
©Mob Psycho 100 III

A venda física então, nem se fala, não é difícil de achar uma loja onde venda mangás antigos ou novos, mesmo em pequenas cidades do interior. O Japão pode ter parcos recursos minerais e uma notória falta de espaço, já que 70% do território é montanhoso ou acidentado, mas o que gera de recursos literários e artísticos é algo a ser considerado como exemplo.

A pirataria por lá é combatida com mais rigor, ainda mais sendo um arquipélago, e com um sistema policial e judiciário rigorosos, veja o caso de Fumihiro Otobe, um japonês de 58 anos que foi condenado por modificar e vender consoles Nintendo Switch com 27 jogos piratas pré-instalados. Ele comprava Switch’s usados, alterava suas placas de circuito e revendia os aparelhos por cerca de 28 mil ienes (aproximadamente R$ 900).

Otobe foi preso em janeiro de 2025 e, durante o julgamento, admitiu o crime, dizendo que queria saber se as pessoas o achariam “incrível” por vender consoles modificados. Ele foi condenado pelo Tribunal Distrital de Kochi a dois anos de prisão, mas com pena suspensa por três anos, além de uma multa de 500 mil ienes (cerca de R$ 20.545).

Nintendo Switch
©Nintendo Switch

Esse caso é um marco no Japão, pois é a primeira vez que alguém foi preso e punido por modificar e comercializar um console da Nintendo no país. A decisão reforça a postura rigorosa do Japão contra a pirataria de jogos, especialmente com a aproximação do lançamento do sucessor o Nintendo Switch2. E por mais que haja casos de pirataria digital de recursos artísticos, são fracos o bastante para serem facilmente descobertos.

Já aqui vivemos numa realidade completamente ruim para tal, pois além da pirataria dar altas doses de prejuízo, e ser pessimamente combatida pelos órgãos públicos, o público ainda fica sem acesso de vários serviços, diferente dos japoneses. Aliás, é mais fácil te achar usando uma ROM copiada ilegalmente, do que as autoridades daqui fazerem tal coisa. É até bizarro, se vermos pela ótica de crimes que há por aí.

Não estou defendendo a pirataria em nenhuma forma, mas ela poderia ser melhor combatida se tivéssemos acesso facilitado de qualquer coisa, desde um serviço de streaming, até um componente automotivo. Uso o exemplo dos animes, e faço alelo ao meu primeiro texto que fiz aqui há três anos atrás, onde eu poderia ver a Roujin Z? Não está disponível de maneira oficial em lugar algum no Brasil, nem as IA’s conseguiram achar tal informação.

Roujin Z
©Roujin Z

Se Roujin Z é um exemplo antigo, não tem problema, Boku no Kokoro no Yabai Yatsu fez sucesso recentemente, e advinha? Somente em sites alternativos se pode achá-lo. Ainda se perguntam por que buscam a outros sites gratuitos? E os animes exclusivos das plataformas? Acaba sendo um erro estratégico, pois não atraem as pessoas a assinarem a plataforma, ainda mais por conta de uma ou duas obras. Bleach: Thousand-Year Blood War retornou com tudo há pouco tempo, mas ficou no mar do esquecimento que se tornou a Disney+.

Admito em ter visto a obra por plataformas não ortodoxas, mas não por querer ser um pirata nos mares da internet, mas por não ter como ter assinado a Disney+ para ver somente a isso, o que acaba sendo a decisão de muitos por aí, até mesmo nos esportes. O fã de Nascar há pouco tempo, tinha de ver as corridas em links aleatórios que achavam por aí, e recentemente, a categoria americana disponibiliza as corridas ao Brasil em seu canal do YouTube e ao vivo.

Sem disponibilidade nativa aqui, como querem combater de fato a pirataria? Acabam incentivando por tabela a este tipo de atividade. Seria como querer evitar o despejo irregular de lixo, sendo que não há lixeiras e lugares devidos em quantidade o bastante, não justifica a falta de educação, mas mostra a dinâmica quebrada que temos.

Bleach: Sennen Kessen-hen – Soukoku-tan
©Bleach: Sennen Kessen-hen – Soukoku-tan

A mesma coisa ocorre com mangás, novels e por aí vai. Pude participar de uma scan como tradutor do inglês para português, sem ganhar um único centavo, numa plataforma bem montada, de obras que em grande parte, não tem sequer desejo das produtoras de serem trazidas para cá. Se há alguma plataforma que tenta levar lucro disso, de fato, será caçada até que se faça justiça, mas isso é muito óbvio.

Ajudaria se tivéssemos mais sites que fizessem tal serviço, porque há demanda de fãs em conhecer e ter acesso a estes conteúdos e de forma digital. Mesmo que os mangás estejam disponíveis no Brasil, não é sequer perto nem mesmo ao que se tem nos EUA, onde estão dando trabalho para as HQ’s, até mesmo, dando uma verdadeira sova em obras conhecidas por lá, apesar de que o mercado americano de HQ’s esteja fraco há alguns anos.

E vale a comparação, pois os EUA são o 4º maior país do planeta e a 3ª maior população, o Brasil é o 5º e 7º respectivamente, ou seja, a coisa mais próxima que podemos comparar em termos de consumo. Sites piratas também são facilmente encontrados por lá, mas as opções legais são vastas e acessíveis ao público, e lá, a pirataria é usada mais como uma forma de protestar contra uma plataforma, do que ter acesso a algo.

Screenrant
©Screenrant

Há certamente uma demanda pelo consumo online de mangás, novels, webnovels, mas a oferta é pouca pelo mercado ridículo que o Brasil, com essas dimensões possui. O Brasil possui oito editoras publicando mangás, enquanto os EUA possuem quinze, algumas sendo filiais diretas do Japão, a partir disto, você começa a ver o que realmente atrapalha, até mesmo no digital.

Acaba sendo que a pirataria é mais um problema gerado pela miséria de mercado que enfrentamos em nosso país, não justificada, mas facilmente explicada pelo mercado. São pessoas que buscam por aquilo que não lhes é disposto, e não por ilegalidade, não estamos falando de maconha, cocaína ou qualquer outro entorpecente, ou conteúdo ilícito, estamos falando de mangás, novels, webnovels, que já são comercializados pelo mundo,

A Coreia do Sul instaurou o Plano Básico para a Promoção da Indústria da Animação, começa em 2025 com um fundo inicial de US$ 14 milhões, crescendo ao longo dos anos, totalizando US$ 100 milhões até 2029, editoras estão crescendo nos EUA e Europa para a confecção de mangás para atender a demanda, e o que nós temos?

Ministério da Cultura, Esportes e Turismo (MCST) da Coreia do Sul
©Ministério da Cultura, Esportes e Turismo (MCST) da Coreia do Sul

Há demanda por que há público para tal, e não se tratando de ilícitos, qual o problema de o mercado brasileiro não atender a esta demanda? Faltam benefícios públicos? Investimento? Leis e diretrizes? Eu lembro que na minha infância, alugávamos filmes nas locadoras, e sim, sou velho o bastante para ter locado fitas VHS, e já tinham vendas nas feiras de versões pirateadas, e não íamos nos pirateados, por que, mesmo pobres, o acesso era direto e facilitado.

Querem acabar com a pirataria? Incentivem o mercado, pois o público anseia por tal consumo. O conteúdo gerado pelos asiáticos tem sido o norte para o mundo do entretenimento, de onde estão saindo as melhores animações, os melhores jogos, a melhor literatura de ficção, e estamos consumindo aos tantos, e onde estão as pessoas da mídia para falar sobre isto?

Todos que conheço estariam dispostos a pagar por jogos, mangás, livros, ingressos dos mais variados eventos, pois entendem o real significado de um investimento, pagar menos por menos, e mais por mais. Olhem a polêmica entorno dos lançamentos do próximo Switch 2, que estão na casa dos US$ 80 (R$ 500 para o Brasil), por Mario Kart, e o público não reagiu bem a isto. Pois, se algo do porte de Mario Kart custa tal número, o que dirá de jogos maiores e mais elaborados, como GTA VI?

Mario Kart
©Mario Kart

Não digo ser a coisa mais linda, mas piratear conteúdo está sendo a única forma de consumir, e como eu disse, não estamos falando de entorpecentes, prostituição, financiamento de terrorismo e outros crimes, estamos falando de entretenimento, mas até em níveis da sociedade, de serviços para o dia-dia comum da pessoa, como o transporte.

Outros países estão percebendo isto e estão partindo para o investimento, a Coreia do Sul, grande rival tecnológico, automotivo, eletrônico e desportivo do Japão, há tempos vem aprendendo com seus vizinhos a investir na área, para não dependerem dos outros, e sabem do quão lucrativo isto é.

Ou o problema é adereçado corretamente, ou permanecerá da mesma forma por muito tempo. Sempre haverá malandragem, alguém tentando levar vantagem, ainda mais num país estragado como o Brasil, agora, problemas como este podem e devem ter solução rápida e prática, e se chama liberdade, mas é pedir demais num país onde discordar está sendo colocado como intolerância.


ESCUTE no SPOTIFY
SUA OPINIÃO É IMPORTANTE. COMENTE AQUI!
Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião
deste site. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *