O que foi High Guardian Spice? A definição de uma animação ruim

Josué Fraga Costa
(Redator)
Anime United
©Anime United

Quando analiso animes aqui na Anime United, sempre trago critérios junto a eles para não ficar somente com achismos de minha parte, uma análise pode ter o viés que for, mas não pode ser embasado somente no gosto ou no apego que tenho com a obra, pois não seria uma análise. Há o que é de boa qualidade, e o que é de má qualidade, mas se tem algum termo para definir o que se define má qualidade, High Guardian Spice se encaixa perfeitamente nisto. A animação, os traços, o enredo, os diálogos, os personagens, nada pode ser salvo do fiasco que a Crunchyroll financiou na iniciativa Originals, que por si só já foi um fracasso.

A começar por sua composição que é falha e sem raízes profundas. A composição define tudo o que compõe a obra, como vimos em Carros, onde toda a inspiração do primeiro filme nasce enraizada na Nascar, com os grandes ovais e grandes cenários do meio automotivo, como a Rota 66, os personagens que foram inspirados em carros e pilotos, e tudo que circuncida o cenário do automobilismo. Eles foram longe o suficiente para trazer o real Hudson Hornet, que foi um carro que existiu de fato nos anos 50, surpreendendo as grandes fabricantes na época, e que foi interpretado por ninguém menos que Paul Newman, um dos grandes atores de todos os tempos e que tinha uma famosa e vitoriosa equipe na Indy, a Newman-Haas.

The fabulous hudson hornet
©Motor Sport Magazine

Imagine o quanto de pesquisa teve de ser feita para se montar uma base sólida, e então preparar um roteiro descente, um enredo interessante, e personagens que se encaixem perfeitamente na narrativa, para se ter o sucesso que o filme teve. Eles foram tão longe nos detalhes, que até o Rei Richard Petty, com o icônico 43 azul fora retratado no filme com seu carro mais famoso, e interpretado pelo próprio Petty, e ele não é chamado de rei atoa, o homem tem simplesmente 200 vitórias na Nascar e a carreira mais longeva da categoria.

A composição é fundamental para que se tenha um conteúdo consistente para o público que se deseja alcançar, e se Carros teve esta competência de se imergir no cenário do automobilismo, isso em 2006, você não pode esperar nada menos do que isto ao ver um anime, filme, série ou documentário. High Guardian Spice tem uma composição que somente se baseia em anacronismos e uma tentativa fracassada de militância que anda se espalhando no cenário cultural do Ocidente, onde a obra existe em essência por causa de sua equipe de roteiro formada somente por mulheres, e uma equipe geral formada em 50% de mulheres, como se fosse um fator de suma importância para que a obra tenha boa qualidade.

Richard Petty
©Sportscasting

Não acredita? Estou falando sério, uma das primeiras coisas reveladas da obra não foram designs conceituais dos personagens ou dos cenários da obra, e sim da composição da equipe por trás dela. O que é estranho, pois como público, acompanharemos os desenvolvedores da animação, ou os personagens nela inseridos? Já pude falar em um texto que fiz aqui na Anime United sobre o Mau do Anacronismo na Arte, e levanto dois pontos para cá, a auto projeção e o panfletarismo identitário. Lembro do que disse Hideaki Anno, o autor de Neon Genesis Evangelion; “ele foi indagado da seguinte forma: “quais partes você não gosta? ” Quando perguntado de sua obra, e ele respondeu: “as partes em que me vejo!”.

A auto projeção é um grande problema que vem aferindo ainda mais as obras audiovisuais, desde as músicas, aos personagens de filmes. É uma maneira de procurar aceitação dos outros sobre si, e uma maneira das mais estapafúrdias, pois, se você não se aceita, como espera que os outros te aceitem? E isto se vê no design e personalidade dos personagens de High Guardian Spice, que se assemelham e replicam ao de suas autoras, e devo falar, não é dos melhores.

E o outro é o panfletarismo identitário, e aqui a discussão separará as crianças dos adultos, pois há muitos na Internet que negam de todo o coração que não exista militância de forma alguma, das duas, uma. Ou essa pessoa já foi engolida pelas propagandas e não percebeu, ou então faz parte disto e tenta dar uma de Joãozinho sem braço. Sou a favor que haja TODO tipo de personagens, pois isto mostra uma organicidade que é atrativa ao espectador, mas quando é algo que é programado para ser por terceiros, e com objetivos escusos, tudo isso vai ao chão.

High Guardian Spice
©High Guardian Spice

Por isso os japoneses tiveram tanto sucesso, tem homens e mulheres como protagonistas, gays e héteros, adultos e crianças, em grupos e singulares, você encontra literalmente de tudo nos animes, e eles conseguem ter a atenção de vários públicos dentro de uma obra só. High Guardian Spice mais parece forçar seus personagens goela abaixo do que desenvolvê-los por quem são, e isso é só um dos muitos detalhes falhos do enredo, que consegue ser mais genérico do que um rei demônio num isekai. A estória tenta desenvolver uma linha de raciocínio tão tenra, que chega a ser imperceptível para quem esteja acompanhando a obra.

Pego o exemplo do Snapdragon, e não é o processador de celulares da Qualcomm, ele é o que se define como uma figura andrógena, um homem que também se sente feminino, visto seus traços mais “delicados” e voz que fica transigindo entre um médio e um leve falsete. E tenho que desenhar àqueles que são analfabetos funcionais, que não sabem o que estão lendo, NÃO TEM PROBLEMA em ser assim, MAS, se você o coloca assim, que leve até o fim e o desenvolva. Ou você vê alguém reclamando do Pretty Pretty Prisioner de One Punch Man? Ou das mahou shoujo de Gushing Over Magical Girls? Dê funcionalidade a ele! E o Snapdragon fora visto por muitos com até um bom potencial para a obra, mas simplesmente não teve elementos o suficiente para a estória. A prima de uma das protagonistas é lésbica, mas quando se precisa ver mais a fundo isso, os autores parecem ter alguma vergonha disso, e os exemplos se acumulam, até mesmo as figuras masculinas, são quase todos vilões, ou figuras ultrapassadas.

E falando da estória, que coisa pífia de se ver. O nome se refere à escola de magia, uma espécie de núcleo da obra, com nome de especiarias (Spice), a se ver o nome dos personagens, como Rosemary (alecrim), uma das personagens da obra, e só falando, alecrim é uma erva aromática, não uma especiaria. Sim, até nisso eles erram, visto que até Snapdragon, é uma quimera, e não uma especiaria. Vocês conhecem Little Witch Academia? High Guardian Spice é uma cópia para lá de malfeita disso. Não há mal duma proposta ser explorada de diferentes formas e por diferentes obras, muito pelo contrário, mas que seja algo que não fuja disto, e nem isso foram competentes em fazer.

Little Witch Academia
©Little Witch Academia

O que basicamente a obra é, duas personagens principais que são amigas de infância, Rosemary e Sage, vão juntas para a grande escola de magia do reino, e ao chegar lá, Sage é confrontada com seu uso de magia, que é mais tradicional e exige mais esforço, onde a escola quer usar a nova magia sem esforço ou sacrifício algum para se aprender. Sim, isso mesmo que você ouviu, esqueça a icônica frase do tio Ben, “com grandes poderes, vem grandes responsabilidades”, e abrace a nova fase, “não se esforce e tenha tudo”. Primeiro erro, não há progressão dos personagens, como vimos em Mob Psycho, onde o Shigeo aos tantos vai compreendendo suas emoções e com isso, dominando seus poderes, agora, o poder existe e basta usá-lo, sem lutar e crescer para isso.

Sem falar que as amigas são da fórmula de contrabalanceio, onde uma é diferente da outra, mas que se completam de alguma forma, uma é mais tímida e a outra mais disposta, mas mesmo um possível conflito entre elas não existe, aliás, tudo o que for de ruim e prejudicial simplesmente deixa de existir, não é um enredo que vai se desenvolvendo e esbarrando em problemas sérios, tendo resoluções de conflitos e resiliência, mais parece um mundo onde tudo brilha e é colorido, do que algo sólido e real.

Além de que a escrita é deplorável, para dizer o mínimo, pois as falas dos personagens precisam ter coesão com suas respectivas personalidades, e precisam ter semânticas sólidas, que te convençam do que estão propondo e que transmitam corretamente o que está passando, fora as ações que a circuncidam. No terceiro episódio, as personagens centrais estão num pátio aberto tendo conversas gerais, quando Rosemary decide empunhar sua espada para tentar acertar uma abelha, quebrando a empunhadura no processo, sem mais nem menos, e não é qualquer espada, é a espada que sua mãe havia lhe passado numa tradição de geração para geração, uma espécie de arma mística. Faz algum sentindo empunhar uma arma tão importante para nada? E no fim das contas, concertam a espada sem nenhum problema, obstáculos foram as centenas de flashback que usaram no episódio, nem Naruto tinha tantos.

High Guardian Spice
©High Guardian Spice

A estória toda é vaga e mal explicada, mostrando um desinteresse monstruosamente tedioso ou uma falta de capacidade monumental de se desenvolver. Por que a mãe de Rosemary se ausentou? Para que ir à escola de magia, sendo que as famílias de suas personagens são de classes conhecidas dos contos de fantasia, tem anões, elfos, humanos, magos, que de maneira racional, por si só, eles já preparam os seus com sua expertise. Quem são os vilões e suas verdadeiras motivações? Os vilões são mais fracos do que se possa parecer algo ameaçador.

Fora a tentativa horrenda de se assemelhar com os animes japoneses, até mesmo dois episódios sobre um “festival” os caras tem, até um episódio da praia com as personagens usando roupas de banho. E nem venhamos a falar do design, quem se lembra de Três Espiãs Demais do começo dos anos 2000, se lembra de um visual que até lembrava as sacadas dos animes japoneses, e era bem feito, mas não se faziam de acordo com os animes. High Guardian Spice conseguiu ser genérico até nisso, o que mostra que não há personalidade, e sim uma amalgama de ideias que se concluiu numa quimera, entre os animes e os cartoons.

Fora alguns detalhes monstruosos que a obra teve, a começar pela Tomilho, uma elfa negra como Aura e Mare de Overlord, que tem uma expressão carrancuda, sendo que os elfos de verdade, tem expressões totalmente neutras em sua feição, não que eles não sorriam ou que se surpreendam, mas ter uma feição definida num elfo assim é ridículo. E há PNG’s transparentes sendo usados na animação, nem mesmo uma animação flash poderia ter a pachorra de fazer isto, e eles fizeram e ainda vieram com a desculpa de terem um “baixo orçamento”. Dá um tempo, como que uma obra original, com investimentos de uma empresa como a Crunchyroll, ganhou um orçamento fraco? Será que mostrava o desinteresse ou foi só uma desculpa esfarrapada? E pude apurar que um anime bem mediano tem um orçamento de pelo menos 125 mil dólares por episódio, e falaram que o orçamento deste bagaço estava na casa dos 300 mil dólares por episódio.

High Guardian Spice
©High Guardian Spice

A dublagem da obra só está em inglês, que é a produção original, e com dubladores bem questionáveis, veja a voz do Slime Boy, parece que chamaram a primeira pessoa que viram no quarteirão do estúdio e o colocaram na cabine de dublagem, pois o desinteresse é visto a olho nu, ou melhor, ao ouvido nu. Então, se economizaram nisto, não tem como falar que o dinheiro era pouco, ou então, o desperdício fora grande. E se você não viu até hoje uma segunda temporada de Tower of God, agradeça a este péssimo investimento da laranjinha. Como eu disse lá no começo, a composição é fundamental para o sucesso de uma obra, vale até um texto sobre isto no futuro, podem cobrar de mim. Sem que haja bases para o que você esteja fundamentando em um enredo, nada que venha após isto irá sustentar esta obra.

E retorno ao início desta análise, a obra é desinteressante desde o seu fundamento, a se ver que uma das escritoras, Kate Leth, é explicitamente misândrica, com twitts dela contendo mensagens repetitivas sobre mat*r a todos os homens, fora os laços com meios sociais de militância que ficaram claros ao público, mostrando a real natureza de High Guardian Spice, onde os personagens homossexuais são meros bonecos para agradarem a uma turminha, ao invés de agregar, e nem me peça pra citar os incontáveis casos disto nos animes, desde Licoris Recoil até Yuri on Ice, e tudo entre eles.

Urusei Yatsura
©Urusei Yatsura

Fora que usar uma equipe inteira de mulheres na redação só por serem mulheres é preocupante, pois, onde estão as vozes masculinas para ter um contraste de ideias? Não uma voz dissonante, e sim algo para complementar. Não sei se vocês sabem, mas ficarão sabendo, mesmo as grandes autoras de mangás, como a Rumiko Takahashi, autora de Urusei Yatsura, ou a Hiromu Arakawa, autora de Fullmetal Alchemist, tiveram apoio de homens para montar suas obras, bem como de outras mulheres, e preciso falar do sucesso de suas obras?

High Guardian Spice une uma turma igual em todos os aspectos, principalmente nos de ideologia e linha de raciocínio, e esta natureza homogênea é prejudicial para qualquer obra. É necessário que haja o contraditório, para que haja conflitos sólidos, e que estes sejam resolvidos com tempo e que se alcance a resiliência, ou vocês gostariam de que ao invés de Naruto vs Sasuske, ambos fossem iguaizinhos? Ou que entre Nanami e Gojou, só existisse um? Se o Kazuma não fosse um vagabundo, a Megumim uma adolescente prepotente, a Aqua e sua incapacidade como deusa, ou a Darkness como um cruzado desprezível e que ama a dor, Konosuba teria graça? É uma obra fraca, e como uma árvore sem raízes, caiu da própria altura.

Notas

High Guardian Spice
©High Guardian Spice

Animação: PNG transparente como meio de animação é amador, e é visível para um daltônico ou com astigmatismo o quanto que falta de polidez. 1.0

Arte Gráfica: Pífia, o design dos personagens é ridiculamente sem alma e são contraproducentes, você não vê os detalhes corporais de cada um servindo para o enredo, a clara determinação do tanto faz. 2.0

Personagens e Enredo: Sem pé, nem cabeça. Não há motivos para o desenvolvimento, e o fim é só a conclusão do último episódio, numa ordem numeral. Não há nada que te prenda a atenção, nem algo que te deixe surpreso, a não ser, como que isto foi existir? 0.0

Trilha Sonora e Ambientação: Inexistente, foi o reino de fantasia mais vago que tenho memória em 26 anos de experiência, no primeiro episódio há um trem que transporta as protagonistas, mas elas o abandonam para voar de vassouras, então, qual a necessidade? E a abertura te faz rir, mas não de alegria, e sim de maneira vexatória. 1.0

Geral: Como eu disse em um texto recente, qualquer coisa é melhor do que High Guardian Spice, pois qualquer coisa é facilmente melhor em qualquer aspecto, até mesmo em ser memorável ao espectador. É uma mancha na reputação da Crunchyroll, que fica na história como sendo um dos piores trabalhos audiovisuais de nosso tempo. 1.0/10

Veredito

High Guardian Spice
©High Guardian Spice

A definição de ruim está estabelecida, os fundamentos de High Guardian Spice são rasos e vacilam nas próprias propostas. Nada te atrai, nem os personagens, ou situações do enredo, ou alguma fala, nem um momento épico memorável. Se eu sou a figura central que tomou a decisão de aprovar a produção disto, não teria aprovado, e teria demitido quem sugeriu que isso fosse às pautas, até um NTR é saudável de se ver perto disto.


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